27/11/2023

Por Luara Djijad

Meu filho não me obedece, o que fazer?

Meu filho não nos obedece”. Esta é, inevitavelmente, a maior preocupação de mãe e pai que, diariamente, buscam orientações sobre o que devem fazer com o mau comportamento dos filhos, um “problema” que, algumas vezes, é o motivo de brigas conjugais.

Escrevi a palavra problema entre aspas não por acaso, pois é por meio dela que poderemos refletir melhor.

O que é obedecer?

Segundo a definição do psicólogo social Stanley Milgram, a obediência é uma forma de influência social que envolve a realização de uma ação sob as ordens de uma figura de autoridade.

A obediência envolve necessariamente dois lados: aquele que manda e aquele que acata. Ao mesmo tempo, para que haja efetivamente a obediência, aquele que manda necessita exercer algum tipo de poder sobre aquele que está na posição de subjugado, seja por meio da força física, da coerção, da manipulação, da ameaça ou da colaboração.

A partir dessa definição gostaria que refletisse de forma sincera nas seguinte perguntas: você sempre obedeceu a seu pai/mãe? Você obedece 100% às leis do Estado ou religiosa (caso tenha)? Você obedece 100% às regras de trânsito? Você obedece a todas as regras da sociedade?

Por diversas razões, nós, adultos, não obedecemos 100% a algo ou a alguém. E os motivos são os mais variados possíveis: por discordar de algo ou de alguém, por desconhecimento, por problemas emocionais.

Se com adultos isso ocorre, com crianças isso não poderia ser muito diferente. Porém, a desobediência infantil precisa ser analisada a partir do ponto de vista da criança, para que assim consigamos resolver esse “problema”.

O que é ser criança?

O desenvolvimento humano é uma área de estudo da Psicologia que é primordial para o entendimento do comportamento humano, especialmente quando se trata de crianças e adolescentes (Papalia, Olds e Feldman, 2006).

Essa área da Psicologia aborda que, para que um ser humano se desenvolva, precisamos levar em consideração a questão biológica, cognitiva, social e moral desse ser humano.

A parte biológica diz respeito à necessidade maturacional para que determinada pessoa consiga realizar determinada atividade. Por exemplo, um bebê de 3 meses não consegue andar porque seus ossos ainda não se fortaleceram o suficiente.

Quando falamos de aspecto cognitivo do desenvolvimento precisamos levar em consideração os aprendizados dessa criança. Por exemplo, a criança primeiro precisa aprender o que são os números e, a partir deles, poderá realizar adições, subtrações, e associar a como eles são aplicados no dia a dia.

O desenvolvimento social é o meio pelo qual a criança está inserida, são as suas relações sociais: família, escola, espaços públicos, entre outros. É tudo o que é veiculado nesse meio: informações, regras, leis, a forma de se relacionar entre pessoas.

Já o desenvolvimento moral perpassa pela compressão e decisão da criança sobre o que é certo e errado, aquilo que pode ou não pode. É seu julgamento sobre as coisas.

É importante ressaltar que cada parte do desenvolvimento ocorre de forma conjunta. Ou seja, para que uma parte se desenvolva precisa necessariamente da outra.

Quando uma criança nasce, ela não tem noção de quase nada ao seu redor e são aqueles que estão ao redor dela que darão essa “noção”.

Portanto, da mesma forma que a criança não chega ao mundo sabendo falar e fazer contas, ela não sabe o que é respeito, autoridade, obediência e tantos outros conceitos mais abstratos. Elas aprenderão e desenvolverão isso aos poucos, interagindo em seu meio, a partir do desenvolvimento cognitivo, social, biológico e moral.

Por exemplo, a criança precisa possuir maturidade biológica para conseguir articular os lábios, precisa também interagir em um meio social para aprender a falar, precisa de alguém que dê recursos materiais para que aprenda a ler e escrever e, assim, desenvolver a cognição. Também, em sua relação social, precisa entender o que é certo ou errado, o que pode e não pode para que desenvolva sua moral e assim por diante, e concomitantemente.

Ok. Mas qual a relação disso com o fato da criança desobedecer?

Se uma dessas áreas não vai bem, consequentemente afetará a outra área do desenvolvimento. Além de que cada criança se desenvolve diferente da outra, justamente porque vivem em meios sociais diferentes e são indivíduos diferentes.

Através das perguntas realizadas no início desse artigo, poderemos verificar que nem mesmo nós, adultos, obedecemos 100% às situações ao nosso redor.

E se considerarmos que nós somos o meio social da criança, poderemos perceber que em algumas situações não somos exemplo para essa criança, pois uma das formas de a criança se desenvolver, por sua vez, é através do ato de imitar as pessoas em seu meio social. Portanto, se a criança percebe que nem mesmo os adultos obedecem 100% entre si, por que ela teria que fazer isso?

De outro lado, se considerarmos o desenvolvimento biológico, assim como uma criança de 1 ano não tem o mesmo porte físico que uma criança de 5 anos, quiçá a compreensão sobre o que é certo ou errado.

Ser obediente é um fator que precisa ser aprendido e compreendido pela criança. Para que a criança consiga obedecer, ela precisa atingir maturidade biológica, cognitiva, social e moral.

Quando falo em aprender a obedecer, precisamos considerar que aprender necessariamente envolve errar, testar, questionar. À medida que a criança se desenvolve todas as áreas citadas vão ficando cada vez mais elaboradas.

Dessa forma, é natural que crianças desobedeçam, pois estão aprendendo a obedecer e, se estão aprendendo, haverá momentos que irão desobedecer e pelos mesmos motivos que nós, adultos, muitas vezes desobedecemos: por desconhecimento, por problemas emocionais, por discordar, por não entender o motivo de ter que obedecer algo, entre outros.

Por que O MEU filho não me obedece?

Chegamos ao ponto que queríamos chegar.

Como visto acima, são vários os fatores necessários para que uma criança obedeça.

E cada criança se desenvolve em um ritmo muito diferente de outra. O desenvolvimento cognitivo, social, moral e biológico depende muito do meio em que essa criança interage, sendo por isso que o seu filho é diferente do filho do seu amigo.

Dentre essas 4 áreas do desenvolvimento humano, a área cognitiva, social e moral são as mais importantes para entendermos sobre a obediência. E é sobre elas que iremos falar a partir de agora.

1. A criança precisa entender o que pode fazer ou não.

Como explicado acima, é o meio social em que a criança vive que precisa ensinar o que é certo ou errado para ela, visto que a criança não nasce pronta. Apenas falar “não faz isso” ou “isso é errado” para uma criança que ainda está aprendendo sobre o mundo, é quase a mesma coisa que dizer nada. A criança precisa entender o porquê que ela não pode fazer determinada coisa e precisa saber sobre as consequências daquilo que ela pode ou não pode fazer. Esse processo de entendimento da criança exige tempo e constância. A criança, de outro lado, é naturalmente curiosa e precisa explorar o ambiente para se desenvolver para entender o mundo ao seu redor, mas ela desconhece os perigos. Apresentar e explicar sobre os perigos são tarefas para os pais ou responsáveis.

2. Os pais precisam ser coerentes com as ordens.

Ser coerente significa ser alguém que mantém suas opiniões e seus princípios. Isto é, que permanece com os comportamentos de acordo com suas ideias.

Os pais precisam ser coerentes com aquilo que deseja que o filho obedeça. Ou seja, se seu filho quer beber suco hoje durante o almoço e você deixa, mas no dia seguinte, por algum motivo, você não deixa, você não está sendo coerente.

A criança, com o tempo, não entenderá se hoje pode ou não pode tomar suco durante o almoço.

3. Os pais precisam estar conectados com as ordens.

O pai e a mãe precisam entrar em consenso sobre o que a criança pode ou não pode fazer. É extremamente comum o pai adotar uma postura mais autoritária com o filho e a mãe ser mais permissiva, um tentando compensar a “falha” do outro. Para a criança, essas ações ambíguas são extremamente confusas. Se para a mãe o filho pode beber suco durante o almoço e para o pai, já não pode. Como decidir?

Esse tipo de situação é muito comum, no qual começam muitos conflitos conjugais relacionados ao comportamento do filho. Já atendi casos, por exemplo, em que o comportamento de se adequar ao que o pai quer em um momento e, em outro, ao que a mãe deseja, se torna um desafio para a criança ou adolescente. Para determinada coisa, a criança pede para a mãe, mesmo que o pai desaprove, e vice-versa. O resultado disso é que pode gerar um nível alto de tensão conjugal, pois a criança ou adolescente acaba elegendo um dos pais, em certos momentos, para conseguir o que deseja. Esse “movimento” pode perpetuar um ciclo de disputa entre os pais e, ao mesmo tempo, um sentimento de indecisão e culpa na criança ou adolescente por “provocar briga na família”. Coloquei esta última frase entre aspas para demonstrar que o comportamento da criança ou adolescente é um movimento de vai e vem com os pais, em que um afeta diretamente o outro.

4. Os pais precisam ter clareza sobre o motivo da ordem.

Ao emitir uma ordem ao seu filho é importante se questionar: o motivo da ordem é para um benefício meu ou para meu filho?

É muito comum atender pais que afirmam que ordena algo para o filho simplesmente porque está estressado e possui várias outras coisas para fazer. No entanto, para que uma ordem seja cumprida, ela precisa fazer sentido para a pessoa. Imagina seu chefe mandando você fazer algo que não é a sua função, simplesmente porque ele quer que você faça, porque é seu chefe.

Você encontrará mais obediência da parte do seu filho se levar em consideração que seu filho será o maior beneficiário da ordem, e não você.

5. A consequência da desobediência precisa ser lógica.

Absolutamente tudo em nossa vida tem uma consequência, seja ela positiva ou negativa. Isso é natural. As crianças aprendem isso naturalmente. Porém, em muitos casos, os pais afoitos para que a criança obedeça a todo custo a ordem, associam a desobediência a uma consequência ilógica para a criança.

Por exemplo, seu filho não quer almoçar e quer veemente comer salgadinho no lugar. O que você faria?

Alguns pais cederiam, outros exigiriam comer usando a força, outros discursariam sobre o quanto muitas pessoas passam fome, etc. Mas qual seria a consequência lógica de não almoçar? Se a criança ficar sem o almoço, a consequência seria ficar com fome. Não é assim que acontece quando não almoçamos? Daí teríamos que aguardar um outro momento para comer.

Porém, Nelsen (2016) nos alerta quanto ao uso da consequência lógica, uma vez que alguns pais tendem a enxergar o uso da consequência de algo como uma forma de punir o filho.

6. As ordens, normas e leis mudam de lugar para lugar.

Já reparou que as regras mudam dependendo do lugar onde você se encontra? No banco é de uma maneira. Na escola é de outra maneira. Na praia é de outra maneira. No seu trabalho é de outra. Na rua é de outra maneira.

Já imaginou o quanto deve ser confuso para uma criança identificar como deve agir em cada um desses lugares? Às vezes nem mesmo nós sabemos como agir em determinado lugar, precisando pesquisar ou questionar alguém qual roupa usar ou o que se deve fazer. Porém, a criança ainda está desenvolvendo formas de lidar com essas situações, e às vezes ela não encontrará sentido em ter que usar roupa casual no dia a dia, e não um biquíni ou vestido de festa já que ela gosta tanto. Algumas crianças desobedecem simplesmente porque ainda não entendem essas mudanças de regras.

7. A criança está aprendendo a lidar com ela mesma e com os outros.

Não é fácil lidar com as emoções e com as pessoas, não é mesmo?

Quando um pai diz NÃO para o filho, automaticamente suscita um sentimento de frustração na criança. A frustração é uma mistura de raiva e tristeza resultantes de um desejo não atendido. A criança não sabe que está frustrada, mas SENTE a frustração. E é um sentimento bem doloroso, mas necessário para a construção da Resiliência, sendo este muito importante no aprendizado da obediência. Se ela não sabe que sentimento é esse, também não sabe o que fazer com ele. Algumas crianças desobedecem porque estão frustradas, uma vez que aquilo que outrora desejava ter ou fazer, por algum motivo, não poderá.

8. É importante respeitar os limites da criança.

Como explicado anteriormente, a criança se desenvolve aos poucos. E em cada fase do desenvolvimento a criança aprende habilidades, mas, em outras, ainda não possui aptidão para algo. Por exemplo, uma criança de 5 anos não consegue racionar tão logicamente quanto uma criança de 10 anos. Portanto, exigir certos comportamentos a uma criança que ainda não desenvolveu habilidades para tal (seja biológica, cognitiva, social ou moral) no mínimo será em vão e, no máximo, um desgaste emocional para os pais.

9. A desobediência pode ser um dos resultados de alguma alteração biológica.

Hoje em dia está cada vez mais comum encontrarmos crianças diagnosticadas, popular ou clinicamente, com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Transtorno do Espectro Autista (TEA) e uma das maiores reclamações acerca do comportamento dessas crianças é justamente a desobediência. Porém, é importante ressaltar que tanto o TDAH quanto o TEA são considerados alterações do neurodesenvolvimento, ou seja, há fundamentalmente uma alteração biológica. Em alguns casos, a inclusão de terapia medicamentosa aparece como a principal alternativa, porém, é muito importante nos atentarmos quanto a todas as variantes do desenvolvimento humano, em que uma área prejudicada, inevitavelmente, afeta a outra.

É o caso também da deficiência auditiva. Já atendi pais de crianças, por exemplo, que se queixavam da desobediência do filho e, após avaliação do comportamento da criança, ela foi encaminhada para avaliação audiológica constatando a deficiência auditiva, desde leve a severa.

Conclusão

A obediência, mais do que exigir o envolvimento dos pais e da criança, exige compreender as diversas maneiras que a relação dos pais com o filho se dá. Levar em consideração o desenvolvimento da criança associado ao meio social que a criança e os pais estão inseridos são extremamente importantes para visualizar a melhor recomendação a fim de melhorar a educação aplicada pelos pais, isto é, para aqueles que questionam "como educar meu filho". Tendo a orientação mais apropriada, os pais poderão identificar fatores para melhorar a relação com o filho ou entre os filhos, principalmente quando se trata de uma criança que possui algum diagnóstico psiquiátrico ou neurológico.

Como cada família é única, é importante deixar claro que as explicações citadas foram realizadas de maneira generalizada, não substitui um atendimento psicológico, pois é por meio dele que se pode analisar as especificidades da família e da criança.

Com as orientações parentais, bem como com o aconselhamento psicológico, os pais têm a oportunidade de desenvolver maneiras e práticas educativas muito mais eficazes, prevenindo agravamento de transtornos ou até mesmo o desenvolvimento de um.

Referências Bibliográficas

NELSEN, J. (2016). Disciplina Positiva. Edição digital. Barueri: Manole, 2016.

PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. 8a edição.

Porto Alegre: Artmed, 2006.

VYGOTSKY, L. S. A. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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